Como eu amo a tua Lei!

(adaptado do texto do Pr. Ricardo Gondim)

“Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça” (II Timóteo 3:16)

Aconteceu num feriado. O sol já caminhava na metade do seu percurso quando preguiçosamente resolvi sair da cama. Sem coragem de tomar um ônibus para ir à praia, optei ficar em casa e ler.
Fui até a estante, sempre abarrotada e sempre empoeirada, querendo um livro que me servisse de companhia naquele dia, que eu supunha sem importância. A Bíblia de capa preta se sobressaiu; parecia pedir-me que a escolhesse. Eu já tentara ler a Bíblia, mas nunca consegui atravessar seu quarto livro, Números. Aquelas estatísticas intermináveis me faziam cochilar. Hesitei, mas parecia que duas mãos se estendiam do dorso, suplicando que eu a pegasse. Aquiesci e elegi o tomo negro.

Adolescente, eu não cogitava grandes mudanças de vida. Ledo engano: depois daquele dia jamais seria o mesmo. Deitei-me e comecei a folheá-la; lembrei que meus amigos crentes haviam me aconselhado a ler o Novo Testamento. Abri em Mateus e em poucos minutos cheguei ao Sermão do Monte. Cada versículo alongava-se das páginas como um punhal, lacerando minha alma. As verdades proferidas pelos lábios de Jesus me encurralaram. Mateus 7.13-14 levou-me a nocaute: “Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram por ela. Como é estreita a porta, e apertado o caminho que leva à vida! São poucos os que a encontram”. Assim, no começo da tarde, com a porta trancada, ajoelhado e resoluto, assumi um compromisso de seguir a Jesus Cristo por essa vereda estreita.

Desde aqueles verdes anos procurei referenciar minha vida neste livro magnífico. Tentei estudá-la; meditei em seus versículos em minhas horas tranqüilas; fiz palestras e sermões em suas verdades. Mas sinto que ainda não consegui chegar às margens da profundidade do conhecimento e sabedoria da Palavra de Deus. Quanto mais me detenho em seus ensinos, maior é meu espanto, meu maravilhamento.

A Bíblia é uma coletânea de livros com a história de pessoas, famílias, nações e, sobretudo, a linhagem do Messias. Fascinam-me os relatos milenares do comportamento humano nas crônicas, a sabedoria popular dos provérbios, a indignação dos profetas, as orações dos Salmos e a sistematização de verdades eternas das epístolas. Alguns detalhes da Bíblia me deixam admirado. Ela nunca foi homogeneizada pelo poder eclesiástico. As histórias de seus heróis não foram retocadas. Assim, sabe-se que o patriarca Abraão mentiu e agiu impensadamente em diversas ocasiões; que Moisés, o homem mais manso que o mundo conheceu, irou-se; que Davi, o mais amado rei em Israel, adulterou e ainda tramou o assassinato de um soldado leal. A Bíblia não mascara que a igreja primitiva teve de aprender a conviver com pontos de vista distintos — Pedro e Paulo travaram debates ríspidos sobre usos e costumes; as igrejas plantadas no primeiro esforço missionário tinham idiossincrasias seriíssimas — a igreja de Corinto chegou a vulgarizar o sacramento da Eucaristia.

Ao contrário de outros livros sagrados, a Bíblia não alega ter sido ditada ou psicografada. Em 2 Pedro 1.21, o apóstolo reconhece que sua origem é divina, mas respeita a singularidade dos autores: “Pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens santos falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo”. O conceito teológico para sua “inspiração” significa que Deus respeitou a liberdade e as ambigüidades humanas, permitindo até possíveis contradições dos relatos históricos. Diante de circunstâncias diversas, os autores demonstraram que a revelação das verdades eternas podia se dar dentro de contextos geográficos, sociais e culturais distintos.

Contudo, a maior grandeza da Bíblia vem da encarnação. A chegada do Messias, seu breve tempo de vida na terra, seu curtíssimo ministério fazendo o bem e anunciando a chegada do reino de Deus, sua morte e ressurreição, constituem-se na mais alvissareira notícia já impressa. Até Jesus Cristo vir, Deus resumia-se a uma especulação filosófica ou religiosa. Os gregos afirmavam que, assim como um pássaro não pode voar até o infinito, os seres humanos, mortais, jamais poderiam alcançar a divindade eterna. No cristianismo, Deus fez o caminho inverso. “Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14).

A singularidade da Bíblia vem da encarnação de Jesus. O filho de Maria fez Deus conhecido da humanidade. Paulo ressalta essa verdade em sua carta aos colossenses (Cl 2.9): “Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade”. Em João 14.8-9, Felipe pediu a Jesus o que toda a humanidade mais deseja: uma revelação completa de Deus: “‘Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta’. Jesus respondeu: ‘Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de eu ter estado com vocês durante tanto tempo? Quem me vê, vê o Pai. Como você pode dizer: Mostra-nos o Pai’?” Todas as vezes que ouço a Bíblia sendo exposta, sei que suas verdades brilharão como feixes de luz, guiando o viajante pelas tortuosas estradas da vida, pois o Salmo 119.105 afirma: “A tua palavra é lâmpada que ilumina os meus passos e luz que clareia o meu caminho”.

Quando encontro alguém arqueado de culpa, gosto de recomendar o Evangelho de João. Qualquer um pode se colocar no diálogo entre Jesus e uma mulher prestes a ser apedrejada: “‘Mulher, onde estão eles [os seus acusadores]? Ninguém a condenou?’ ‘Ninguém, Senhor’, disse ela. Declarou Jesus: ‘Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado’” (Jo 8.10-11).

Passados milênios desde que a Bíblia Sagrada foi escrita, estudiosos se revezam tentando analisá-la, mas ela permanece um mistério. E diante do mistério reconhece-se a limitação humana. Razão e método não abrangem todo o “conselho de Deus”. Por isso, Paulo afirmou em Romanos 11.33-36: “Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus caminhos! Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense? Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém”. Neste mundo sedento de esperança, a Bíblia pode tornar-se um manancial de vida, desde que volte a ser o livro de cabeceira que alimenta a vida devocional e o alicerce dos princípios que nortearão as decisões do dia-a-dia.

Soli Deo Gloria.

REFLEXÃO: “O que desvia os seus ouvidos de ouvir a lei, até a sua oração é abominável” (Provérbios 28:9)

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