02 a 09 de Novembro de 2013
“Quem, ó Deus, é semelhante a Ti, que perdoas a iniquidade e Te
esqueces da transgressão do restante da Tua herança? O Senhor não retém a Sua
ira para sempre, porque tem prazer na misericórdia. Tornará a ter compaixão de
nós; pisará aos pés as nossas iniquidades e lançará todos os nossos pecados nas
profundezas do mar.” (Mq 7:18, 19)
César L. Pagani
Os judeus chamam o Yom Kippur de Yoma, “o dia”. Andreasen o considera como a “coluna mestra do
sistema sacrifical”. Era um dia de profundo recolhimento espiritual. Nenhuma
obra servil podia ser feita nesse dia. Para o povo constituía-se um sábado de descanso. Um autor hebreu
escreveu: “Sua chegada, no
dia 10 de Tishri, é um acontecimento de tal magnitude para a comunidade, que a
vida parece nela fazer uma parada; deixam-se de lado todas as ocupações e
preocupações, esquecem-se as necessidades físicas, e as massas de indivíduos se
apressam a mergulhar, durante um dia, num mar de purificação.” Tradições e Costumes Judaicos, 140.
Mas
o preparo para o Yoma começava nove dias antes. Do primeiro ao nono dia de
Tishri era o período de exame de consciência e arrependimento, um preparo de
coração para o grande dia do juízo. O nível de introspecção e humilhação era
profundo.
A
Enciclopédia Judaica, à p. 286, expõe a concepção israelita do dia do juízo de
Israel: “Deus, sentado em Seu trono para julgar o mundo, ao mesmo tempo Juiz,
Litigante, Perito e Testemunha, abria o Livro de Registro; este é lido,
achando-se aí a assinatura de todo o homem. Soa a grande trombeta; ouve-se uma
voz mansa e delicada; os anjos tremem, dizendo: Este é o dia de juízo, pois
mesmo Seus ministros não são puros diante de Deus. Como um pastor faz a chamada
de seu rebanho, fazendo-o passar sob a vara, assim faz Deus passar toda alma
viva perante Ele para fixar o limite da vida de toda criatura e determinar-lhe
o destino. No dia de Ano Novo, é escrito o decreto; no Dia da Expiação é selado
quem há de viver e quem há de morrer, etc. Mas o arrependimento, a oração e a
caridade podem desviar o mau decreto.”
“Leshanah
Tova Ticatevu” é o voto que cada judeu devoto hoje faz ao seu companheiro, e significa: “Que você seja aprovado no Juízo!”
DOMINGO
A purificação anual
O
ritual especial do Yom Kippur era processado, em certo aspecto, como nos outros
dias do ano. O tamid ou sacrifício
contínuo do cordeiro da manhã e da tarde era realizado. Antes de tudo, o sumo
sacerdote deveria tomar um banho e, diferentemente do que ocorria nos dias
precedentes, ele vestia uma túnica branca de linho simples, calções de linho,
cinto de linho e mitra de linho sobre a cabeça.
O passo seguinte era a recepção de
dois bodes e um carneiro que eram oferecidos pela congregação. Ele, particularmente,
oferecia em sacrifício um novilho em seu próprio favor, para expiação de
pecados cometidos, a fim de não ser fulminado pela presença do Senhor ao
adentrar o Santíssimo. Nesse meio tempo, ele tomava um incensário com brasas
vivas e o leva para o Santíssimo
colocando-o sobre o propiciatório. Então coloca um punhado de incenso sobre o
incensário e faz com que uma nuvem de fumaça cubra a tampa da arca.
Feito isso
ele sai para receber o sangue do novilho que foi por ele oferecido e retorna ao
mais interior do templo, espargindo sete vezes o sangue sobre o propiciatório.
Nessa ação ele faz expiação por si e pela sua casa.
Na
sequência ele sai do Santíssimo e vai ao pátio, junto ao altar de holocaustos e
mata o bode que é pelo Senhor. Toma de seu sangue e retorna à presença de Deus
para fazer expiação pelo povo. Note-se que essa expiação é para retirada dos
pecados do povo do santuário, e não por seus pecados cometidos e já
perdoados. Essa expiação é pelo Santíssimo
que fora contaminado com o registro sanguinolento dos pecados da congregação. A
seguir ela remove simbolicamente os pecados registrados no Lugar Santo. Aí
dirige-se ao altar de holocaustos e faz expiação por ele. A essa altura tudo quanto havia no santuário
estava livre dos pecados. Deus perdoara a todos com Sua imensa graça. Nenhuma
transgressão ficava no templo para testemunhar contra qualquer transgressor.
A
fase final da purificação é a trazida do bode emissário. O sumo sacerdote
coloca as mãos sobre a cabeça do bode e confessa todos os pecados que Israel
cometeu naquele ano (Lv 16:20-22). Não há mais nenhum pecado, nada que separe o
povo do Senhor. A transferência foi feita e agora o bode é figurativamente o
transportador de pecados, ou o responsável por eles. No ritual do santuário não
haveria outra transferência. Os pecados “morriam” com o bode, que era levado a
um lugar deserto por um homem especialmente designado para isso, e ali
abandonado à própria sorte.
“Visto que Satanás é o originador do pecado, o
instigador direto de todos os pecados que ocasionaram a morte do Filho de Deus,
exige a justiça que Satanás sofra a punição final. A obra de Cristo para a
redenção dos homens e purificação do Universo da contaminação do pecado, encerrar-se-á pela remoção dos
pecados do santuário celestial e deposição dos mesmos sobre Satanás, que
cumprirá a pena final. Assim no cerimonial típico, o ciclo anual do ministério encerrava-se com a purificação do santuário e confissão dos pecados sobre a cabeça do bode emissário. Em
tais condições, no ministério do tabernáculo e do templo que mais tarde tomou o
seu lugar, ensinavam-se ao povo cada dia as grandes verdades relativas à morte
e ministério de Cristo, e uma vez ao ano sua mente era transportada para os
acontecimentos finais do grande conflito entre Cristo e Satanás, e para a final
purificação do Universo, de pecado e pecadores.” Patriarcas
e Profetas, 343-358.
SEGUNDA
Ora, o perdão
era concedido dia após dia ao vir o pecador penitente perante Deus no
santuário, trazendo sua oferta pelo pecado. Os pecados que ficavam
“registrados” no santuário estavam perdoados. Não dariam testemunho contra o
infrator. Se, por acaso, o pecador perdoado viesse a falecer numa guerra ou
mesmo em algum acidente, ou ainda de doença ou velhice, estava quite com Deus e eternamente salvo.
O sumo sacerdote realizava sua obra no Dia da Expiação no
papel de mediador. Todo trabalho era feito através dele. Ele mesmo era o
transportador simbólico de pecados registrados no santuário, até colocá-los
sobre a cabeça do bode Azazel. A culpa dos pecados perdoados passava, assim,
para o bode, que por sua vez transportava todo o registro de pecado e culpa
para o deserto. Com a morte desse animal o ciclo do pecado terminava.
Um questionamento
interessante é proposto por M. L. Andreasen acerca do ritual da expiação. “É
bem possível que alguém pergunte: Por que era necessária qualquer purificação
por parte do povo? Não tinham eles trazido de quando em quando suas ofertas
durante o ano, confessado os pecados e ido embora perdoados? Por que, então, se
fazer cada ano comemoração de pecados?”
Pois bem, os pecados
haviam sido perdoados no mesmo dia em que o pecador os confessava e oferecia a
vítima especificada nas diretrizes ritualísticas. Porém, sempre havia a possibilidade
de o pecador cometer novamente os mesmos pecados ou relaxar sua vida espiritual.
Até aí a capacidade perdoadora de Deus seria acionada para remitir esses e
outros pecados. Mas suponhamos que esse pecador abandonasse sua vida de
consagração e voltasse as costas para
Deus. O que aconteceria com os pecados anteriormente perdoados?
“Deus mantém uma conta
para cada homem. Sempre que, de um coração sincero, ascende uma súplica por
perdão, Ele perdoa.Mas por vezes os homens mudam de ideia. Arrependem-se de seu
arrependimento. Mostram, por sua vida, que o mesmo não é duradouro. E assim
Deus, em vez de perdoar de maneira absoluta, definitiva, registra o perdão ao
lado do nome das pessoas e espera o apagar final dos pecados para quando eles
tiverem tido tempo de pensar maduramente no assunto. Se ao fim da vida se acham
ainda com a mesma ideia, Ele os considera fiéis
e, no dia do juízo, seu registro é definitivamente limpo. Assim
acontecia com Israel outrora. Ao chegar o Dia da Expiação, cada ofensor tinha a
oportunidade de mostrar que ainda estava com o mesmo espírito e queria o
perdão. Se assim fosse, o pecado era apagado e ele estava completamente limpo.”
O
Ritual do Santuário, pp. 151-152.
TERÇA
Destaque-se,
a bem da compreensão, que o bode emissário ou Azazel só entrava em cena após a
purificação do santuário estar completa. Portanto, ele não tem nenhum valor
expiatório ou de purificação, mas de transportador da carga acumulada antes no
santuário. Ele se tornava “culpado” e alvo da ira da justiça.
Antes
de ser levado para o deserto, Azazel era apresentado ao sumo sacerdote, que
impunha as mãos sobre o animal e confessava todas as iniquidades dos filhos de
Israel e todas as suas transgressões. O Mishnah,
uma compilação em forma de código das leis tradicionais do judaísmo,
descreve que durante o tempo do segundo templo, o sumo sacerdote, no final do
Yom Kippur, punha as mãos sobre Azazel e dizia: “Oh, Deus, Teu povo, a casa de
Israel, cometeu iniquidade, transgrediu e pecou diante de Ti. Oh, Deus, perdoa,
te peço, as iniquidades, transgressões e pecados de Teu povo, a casa de Israel,
que cometeu diante de Ti, como está escrito na lei de Teu servo Moisés: ‘Porque neste dia se fará expiação
por vós, e sereis limpos de todos os vossos pecados diante de Jeová.”
É bom lembrar que o sangue do bode que havia
sido escolhido por sortes para ser do Senhor é quem tinha seu sangue derramado
para transportar o registro de pecados desde o santuário, mediante o sumo
sacerdote, até Azazel. Em termos simbólicos, o sangue do bode derramado no Dia
da Expiação tinha validade de transporte até que sua carga de injustiças e
pecados fosse posta sobre Azazel.
O
fato de haver um lançamento de sortes sobre os bodes trazidos ao santuário no
Dia da Expiação traz em relevo um ensino importante: Uma das sortes de escolha era “pelo Senhor” e outra pelo bode emissário. Entendem muitos
intérpretes que se uma das sortes é para um ser pessoal, a outra também o
seria, a despeito das diferentes funções, e concluem que há antagonismo entre
dois seres pessoais representados pelos animais. Ora, sendo um o Senhor, quem é
Seu antagonista? Satanás, sem dúvida.
A
ação simbólica de retirar os pecados do santuário e pô-los sobre Azazel é
profética e indica o que Deus fará com os pecados que foram registrados e
perdoados no santuário celeste, mediante a obra sumo sacerdotal de Cristo.
Alguém terá de arcar com a culpa final dos pecados. E como o vil tentador é o
responsável pelos pecados que fez o povo de Deus cometer, será ele responsabilizado
criminalmente no pós-milênio e receberá o salário do pecado. Cumprir-se-á,
então, o que está escrito no livro de Malaquias: “Pois eis que vem o dia e arde como
fornalha; todos os soberbos e todos os que cometem perversidade serão como o
restolho; o dia que vem os abrasará, diz o Senhor dos Exércitos, de sorte que
não lhes deixará nem raiz nem ramo.” Como Satanás é a raiz de todo pecado, será
consumido pelas chamas de fogo misturado com enxofre no dia do Juízo
Retributivo.
QUARTA
No dia da expiação
Os versos de
estudo para hoje (Lv 16:29-31 e 23:27-32) nos trazem lições importantes.
Deus determinara um comportamento
especial no décimo dia do mês de Tishri (aliás, o procedimento tinha início com
o pôr do sol do dia nono [Lv 23:32]). Toda preocupação secular deveria ser
afastada; nenhum trabalho ou tarefa imprópria deveria ser feito nesse dia. As
atenções deveriam concentrar-se em “afligir as vossas almas”. Um profundo exame
íntimo requeria todas as energias do judeu nesse dia. Ele deveria pensar em seus
pecados, no que o levou a cometê-los; deveria intuir o peso da afronta que
lançou perante Deus e considerar como a bondade perdoadora de Deus havia
tratado com ele.
Esse dia era tão
especial também em termos de contrição, que o sumo sacerdote, no terceiro dia
de Tishri, se mudava de sua residência em Jerusalém para os aposentos do
templo, onde deveria compenetrar-se em orar, meditar e preparar o ritual do dia
décimo. Não podia acontecer nenhum erro. A situação era tão solene que um dos
sacerdotes mais velhos da equipe sacerdotal ficava o tempo todo com o sumo
sacerdote, apoiando-o ininterruptamente, aconselhando, instruindo-o e
monitorando-o para que tudo saísse a contento.
Andreasen explica que na noite precedente ao Dia da Expiação, o sumo
sacerdote não podia dormir para que não lhe ocorresse nenhum tipo de
contaminação.
Ora, por que tanta
minudência se os pecados de Israel já estavam perdoados. Acredito que Deus
queria impressionar tanto a sacerdotes como ao povo com respeito à malignidade
do pecado. Tudo devia ser feito com a maior seriedade possível. E outra coisa a
ser lembrada é que os israelitas estavam perdoados, mas o santuário ainda
detinha a contaminação do pecado. Era uma mancha abominável diante do puríssimo
Deus, cuja presença habitava o santuário. Está escrito: “Fará expiação pelo
santuário por causa das imundícias dos filhos de Israel e das suas
transgressões, segundo todos os seus pecados, e assim fará para a tenda da
congregação que mora com eles no meio das suas imundícias.” (Lv 16:1 6)
“No Dia da Expiação
os pecados daqueles que já tinham obtido perdão eram apagados. Os outros eram
‘extirpados’. Assim era o santuário purificado do registro do pecado acumulado
durante o ano. Essa purificação do registro também efetuava a purificação do
povo cujos pecados já estavam perdoados. Eram apagados. Não mais permaneciam
como testemunho contra eles. A expiação estava feita e o povo não se achava sob
condenação. Estavam puros, livres, felizes. O próprio registro não existia
mais.” O Ritual do Santuário, p. 153.
A parábola do credor
incompassivo mostra como alguém pode arrepender-se de seu arrependimento e
atrair o desagrado de Deus sobre si. O credor implacável fora perdoado pelo rei
de uma dívida astronômica, impagável. Ele implorou o perdão de seu senhor e foi
atendido. Mas demonstrou espírito inconciliável, pecaminoso, quando não quis
perdoar alguém que lhe devia tão pouco. Seu perdão foi cancelado por causa da
atitude ímpia e ele sofreu a devida punição
da qual foi livrado anteriormente. Deus é justo.
QUINTA
O yom kippur de isaías
A cena é de majestade e solenidade
inimaginável. Isaías narrou a visão que teve, mas sua intensidade, penetração e
emoção mal podemos imaginar. Compare-se
essa visão com aquela que teve Daniel no cap. 7:9-10. Entre as duas distam 203
anos. Embora livros não tenham sido abertos na visão de Isaías, o cerimonial
ali ocorrido transmite uma imagem de grande impacto.
O
senso da absoluta santidade divina causou tal comoção no profeta, que ele
pensou que seria fulminado. A mesma
impressão foi causada em Manoá, pai de Sansão, pois, aterrado, disse à sua
mulher Ana: “Certamente morreremos, porquanto temos visto a Deus” (Jz 13:22).
Quando
Deus está em juízo contra o pecado, Seus atos produzem de impressão esmagadora,
consumidora. A santidade do Altíssimo é
tamanha que até os anjos mais exaltados velam seu rosto diante dEle. Não é à
toa que Ele é chamado de “terrível” quando se Lhe acende a ira. Salmo 76:7 afirma: “Tu, sim, Tu és terrível; se Te iras, quem pode subsistir à Tua vista?”
Como expõe o autor das lições deste
trimestre, há paralelos significativos entre o ritual do santuário terrestre e
a visão de Isaías, que penetrou no santuário celeste: fumo de incenso, altar de
intercessão donde o anjo tirou a brasa que purificou os lábios do profeta,
séquitos de anjos. Embora não haja evidências de um juízo massivo, Isaías,
ele próprio, foi julgado naquele
momento. Era ele, como mesmo se reconheceu, um homem de lábios impuros e que
morava com uma população de boca contaminada. Todos, profeta e povo, estavam em
pecado. Como no dia do Yom Kippur, Isaías afligiu sua alma por causa do pecado.
Mostrou-se arrependido por cometer erros, principalmente por meio de palavras,
pecados
contra Deus. Sabia que Deus julga atos, pensamentos ocultos ou manifestos,
motivos, intenções e palavras – não disse Jesus: “... porque, pelas tuas
palavras, serás justificado e, pelas tuas palavras, serás condenado.”? (Mt
12:37)
Porém, Deus, por ser infinitamente
misericordioso Juiz, purificou Isaías. O profeta sentiu-se tão leve
espiritualmente e tão grato a Deus que se dispôs aceitar o ministério profético
e cumprir as ordens divinas.
O propósito do dia antitípico do Yom
Kippur não é achar culpas no povo de Deus, pesar cada crente nas balanças
celestiais para encontrar pecados nele e condená-lo como inepto para habitar
com os anjos. Deus quer absolver, remir, perdoar. Brasas vivas do altar de Deus
ainda estão incandescendo. Elas representam o sangue purificador de Cristo e
Sua intercessão constante. Como Isaías foi purificado em juízo, nós também o
seremos se mantivermos firme a nossa confiança.