Cristãos violentos: uma violência à fé cristã

(por Maurício Zágari)

Eu estava calmamente lendo a Bíblia de madrugada quanto cometi o erro de entrar no twitter no exato momento em que um canal de TV estava transmitindo lutas de Ultimate Fighting (UFC). Montes e montes de cristãos estavam tuitando e vibrando com as lutas. Eu li aquilo e postei um comentário dizendo que não conseguia compreender como pessoas que seguem Jesus são capazes de se divertir vendo gente bater uma na outra, como servos do Cordeiro de Deus podem vibrar com tanta pancadaria e violência. Jesus... para que eu fui fazer aquilo?! Comecei a ser espancado verbalmente por uma legião de fãs das lutas. Alguns foram educados e argumentaram como cavalheiros. Mas os demais me jogaram no chão e começaram a dar chutes e pontapés verbais que me deixaram estarrecido. Fui nocauteado moralmente. E isso me fez refletir mais uma vez sobre um dos problemas que considero um dos mais graves da igreja visível no Brasil: como aqueles que se chamam pelo nome de Jesus passaram a achar nos nossos dias que agressão, ofensas, verborragia e ataques pessoais é uma atitude absolutamente aceitável do ponto de vista bíblico. O que é um sinal de que não entenderam nada sobre a fé.

Um cavalheiro chamado Renato desferiu de cara quatro tuites que parecem ter saído de dentro do ringue: "Gosto é como nariz, cada um tem o seu... então pegue sua hipocrisia e vai ler a bíblia", me disse esse suposto cristão. E, não satisfeito, continuou: "Aposto que não está lendo a bíblia as 3:30h. Com certeza em algum site pornô ou coisa parecida... isso sim é coisa de quem julga os irmãos... Farizeu." Tenho de confessar: fiquei pasmo. Nem adiantava dizer que ler a Biblia era exatamente o que eu estava fazendo. Simplesmente, pela primeira vez na vida, dei block no "irmão" (meu Deus, quem discipula um homem desses?) Dois "cristãos" me chamaram de hipócrita. Mais um de fariseu. Outros usaram termos que eu prefiro não repetir aqui porque este é um blog para pessoas cristãs, ou seja, que não apreciam linguajar torpe. E, depois de falar assim com um irmão, vão às suas igrejas, louvam de mãos levantadas, tomam a Ceia do Senhor e creem que estão agindo como filhos de Deus.

Vi até pastores vibrando! Um deles, que é celebridade no twitter (mais de 90 mil followers, apesar de só viver escrevendo bobagens atrás de bobagens), tem como maior predicado ser casado com uma cantora gospel da mais famosa familia de cantores gospel do país. Pois o cidadão tuitou coisas como "Uhuuu Vitor quebrou tudo!!!", "Que joelhada linda" e "Vitor Belfort entrou falando em línguas que emoção vai sacudir tudo #Torcendo". Eu mal conseguia acreditar: Um pastor realmente escreveu para mais de 90 mil pessoas "Que joelhada linda"???

Outro pastor, conferencista que vive pregando pelo Brasil, escreveu: "Quebra tudo Zé Aldo...". Uau! Isso então é o que muitos de nossos pastores estão ensinando por aí: não o arrependimento de pecados, a paz, a paciência, o amor ao próximo, dar a outra face, pagar mal com bem. Estão ensinando: "quebra tudo" e "que joelhada linda". Para pra pensar com calma: um sacerdote do Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo elogiando uma joelhada, um gesto de extrema violência! Que dias de profundas trevas nós - a igreja do manso Cordeiro de Deus - estamos vivendo...

Bem, eu não entro no mérito do gosto pessoal de cada um. Tem gente que gosta de briga de galos. Na antiguidade, as hordas se divertiam com os gladiadores do Coliseu. O ser humano sempre foi atraído por violência, gosta de filmes como os de Charles Bronson e tudo isso naturalmente é consequência da entrada do pecado no gênero humano - ou você consegue imaginar Adão antes da queda ou mesmo Jesus na primeira fileira de um estádio (ou o correto é falar ginásio, não sei), vibrando e gritando: "Vai, Belfort, arrebenta ele! Quebra esse jumento!" - palavras verídicas que reproduzo do tuiter de um homem que se diz cristão e estava assistindo ao massacre. Pode me chamar de hipócrita, fariseu ou careta, mas eu não consigo imaginar isso.

Claro que muitos concordaram comigo. Me alegrou em especial um jovem que postou diretamente para mim: "Confesso que vibrei e até me alegrei em alguns momentos. Mas suas palavras foram um despertar para uma reflexão sobre isso. Só posso agradecer". Essa parcela da Igreja não me preocupa, pois o Espírito Santo já cuida dela e convence do pecado, da justiça e do juízo. O que me preocupa é a parte da igreja que está sanguinária, violenta... tão distante do que Jesus ensinou!

Muito disso tem a ver com nossos modelos. Hoje em dia os principais líderes evangélicos que estão na TV e na Internet são homens agressivos, verborrágicos e ofensivos, que usam termos como "trouxa" e "bundão" para se referir a irmãos na fé. Por outro lado há denominações religiosas que têm como nicho esportistas e por isso incentivam esportes de contato e que defendem esse tipo de prática e comportamento. Pronto: junta isso tudo e temos uma legião de "cristãos" que serão ensinados a cada culto ou programa na Internet ou na televisão que ofender, agredir, atacar, revidar e coisas similares é algo aceitável dentro do verdadeiro Cristianismo. E isso, naturalmente, em especial é algo atraente para os jovens, cheios de testosterona.

Só tem um problema: isso está biblicamente muito errado.

O Cristianismo é a religião da não violência. Quando Jesus foi preso no Getsêmani e Pedro cortou a orelha do soldado Malco, o Senhor repreendeu o agressor e restaurou o homem ferido. Cristo era o Cordeiro Manso e humilde de coração, que deixou-se voluntariamente apanhar, ser cuspido, xingado, ofendido, açoitado, vilipendiado, crucificado... e como ovelha muda perante seus tosquiadores não abriu a boca. Ele deu o exemplo. Ajudava os necessitados e elogiou a atitude do samaritano que auxiliou o homem que tinha sido espancado pelos ladrões. Jesus visava sempre à cura, nunca a provocar a violência e a dor.

No Sermão do Monte, Jesus ensina a dar a outra face, a andar a segunda milha. Diz que os pacificadores e os mansos são bem-aventurados. Em momento algum você vê nos discursos do Mestre incentivo à violência. Pelo contrário, quando ele diz aos seus discípulos que eles seriam perseguidos pela fé, a sua ordem é que fujam e não que revidem. Olhe esta foto à esquerda: você consegue encaixá-la nas bem-aventuranças ou consegue imaginar que isso seja algo que deixe Jesus de Nazaré feliz? E se alguém vier com a história da derrubada das mesas dos cambistas no templo eu nem entro por esse mérito, apenas sugiro que pegue um bom livro que explicará que aquilo não foi um ato de violência, mas de limpeza e purificação motivado por desonestidade e exploração na hora das negociações que aqueles homens faziam.

Nas epístolas você não encontra linguagem ofensiva. Mesmo quando o apostolado de Paulo é questionado ele o defende com veemência, mas jamais alguém é ofendido ou agredido. Se não pela sua pessoa, muito menos pelas ideias que expressa. Pecados são confrontados mas nunca se veem retaliações verborrágicas ou de incentivo à agressão física. Pelo contrário, quando os judeus levam a mulher adúltera até Jesus, Ele estaria coberto de razão pela Lei Mosaica se dissesse: "Podem baixar o sarrafo nela, arrebentem com essa desgraçada". Mas não. Calmamente, sem erguer a voz ou mesmo o rosto o Mestre preserva a integridade física daquela senhora e corta toda e qualquer possibilidade de um ato de violência.

A verdade é que grande parcela da igreja visível no Brasil está doente, muito doente. Cega, não enxerga o que a Bíblia diz. Sem estudo teológico, não compreende as realidades das Escrituras. Carnal, não vive as disciplinas espirituais e por isso não tem intimidade com o Deus vivo. E, com isso, nós criamos os nossos gladiadores cristãos: homens e mulheres que vibram com a violência (mascarada sob alcunhas simpáticas, como "esporte", "competição", "profissão", "artes marciais" ou o que for - mas que não passam de nomes socialmente aceitáveis para definir a mesma coisa: pancadaria). Que exultam com seres humanos aos chutes, socos, murros, pancadas, joelhadas e outras atitudes que, digo novamente, não consigo imaginar Jesus fazendo ou mesmo se alegrando por ver.

Pior: trazem a violência para fora dos ringues. Estão tão transtornados (ou você acha que assistir a esses gladiadores em ação não mexe com o instinto violento de quem vê as lutas?) e salivando com os golpes e as agressões que exportam toda essa testosterona para o mundo das palavras. Intolerantes, agridem quem discorda deles. Não sabem argumentar ou dialogar: partem pro braço. "Te pego lá fora, seu cristão que é contra a violência!', parecem dizer. E com isso a igreja visível segue crescendo como opróbrio dentro da sociedade secular; nós, cristãos, continuamos sendo vistos como tão mundanos como qualquer outro segmento da sociedade e os valores do mundo continuam se alastrando descontrolados entre o povo de Deus. Ou seja: não nos tornamos em nada diferentes do mundo. Somos tão violentos, agressivos, espancadores, humilhadores, "trouxas" e "bundões" como qualquer não-cristão.

O tal pastor disse em maiúsculas no tuiter que "UFC É PAIXÃO NACIONAL". Certamente não é a paixão da nação celestial nem motivo de admiração para os verdadeiros peregrinos que caminham por esta terra estranha vendo esses espetáculos grotescos e animalescos sendo aceitos por aqueles que deveriam pregar a mansidão, a humildade de espírito, o amor. Jesus disse que deveríamos ser sal da terra e luz do mundo e que, se não fôssemos, só serviríamos para sermos "lançados fora e pisados pelos homens". Aí eu leio coisas como...

"Aposto que não está lendo a bíblia as 3:30h. Com certeza em algum site pornô ou coisa parecida... isso sim é coisa de quem julga os irmãos... Farizeu"

... e vejo que já estamos sendo pisados pelos homens há muito tempo. E pior: gostamos disso. Afinal, ser pisado faz parte do esporte de contato, né?

Paz a todos vocês que estão em Cristo

Fonte: Emunah


A igreja e o palhaço

(por Isaltino G Coelho)

No livro A teologia da igreja, Ebenézer Ferreira cita trecho de uma tese do Pr. Júlio Borges em que este conta uma parábola do teólogo Kierkegaard. Um circo pegou fogo, numa pequena cidade dinamarquesa. Os artistas já estavam preparados para o espetáculo, e o dono do circo enviou o palhaço à cidade para avisar a população. O palhaço foi e gritava "Gente, o circo pegou fogo! Venham ajudar a apagar o fogo porque a cidade pode ser atingida!".

O povo se admirou da nova técnica de publicidade e todos pensavam em ir ao espetáculo, porque o palhaço valia a pena. O palhaço chorava e gritava, e todos riam. Diz, então, Kierkegaard: "O fogo espalhou-se pelos campos e atingiu a cidade, que foi completamente destruída". Concluiu o Pr. Júlio: "Quantas vezes temos vestido roupa de palhaço e, como camelôs, oferecemos o evangelho como mercadoria barata, e ninguém nos leva a sério!".

Um palhaço é um palhaço e não pode ser levado a sério. Mas uma igreja é uma igreja e precisa ser levada a sério. Ela o será, não na medida em que se curve ou amolde ao mundo, para agradá-lo, mas na medida em que viva a mensagem que deve pregar ao mundo. A igreja não é um clube social regido por conveniências. Sua vida deve ser enquadrada na Palavra de Deus.

Quando houve o evento chamado Rock in Rio, muitos evangélicos o criticaram, vendo nele ação do demônio! Não nego que há apelos demoníacos em certas músicas. Não apenas num determinado estilo, mas em muitos. Mas não é disto que quero falar. Ficou-me uma declaração do empresário que organizava o evento: "Esses evangélicos são engraçados!". É que muitos jovens evangélicos iam ao evento (e coisas semelhantes ao Rock in Rio acontecem em congressos de jovens evangélicos) e, o pior, os cartazes convidando para o show foram impressos numa gráfica evangélica. O demoníaco era uma boa oportunidade comercial para os santos.

Por vezes a visão da igreja é buscar adeptos e não convertidos. Ela pesquisa o que a vizinhança deseja, e lhe oferece o produto desejado. Chamam a isso de "igreja amiga do povo". É verdade que a igreja primitiva caía na graça do povo (Atos 2.47). Mas mais importante que ser "amiga do povo" é ser, como Abraão, "amigo de Deus" ("e ele foi chamado amigo de Deus" - Tiago 2.23).

O evangelho tem sido domesticado pelo romantismo das pessoas. Tempos atrás, conversava eu com uma senhora, crente há muitos anos. Tinha ela um filho incrédulo renitente, que não ligava a mínima para realidades espirituais, e até mesmo as depreciava. Para ela, seu filhinho, mesmo recusando Jesus como Salvador, estava salvo (ela sentia isso no coração) porque não era possível que um rapaz tão bonito, tão saudável, filho tão bom, não fosse salvo. A teologia da irmã apontava numa direção e sua vontade em outra. A vontade prevaleceu sobre a teologia.

O evangelho não pode ser domesticado e a igreja não pode amoldar sua pregação e seu ensino às conveniências e vontades humanas. Tal evangelho não é sério. A igreja não precisa aculturar-se ao mundo. Precisa apenas viver o evangelho. O mundo pode ser agradado por um tipo de pregação, mas a ameaça real, a ameaça do juízo de Deus nunca soará aos seus ouvidos como séria se for levada por alguém que se preocupe em agradar.

Sem ser rabugenta, a igreja precisa ser séria. E para ser levada a séria deve compatibilizar a mensagem que deve entregar ao mundo com sua aparência. Que a igreja seja um profeta e não um palhaço.

Frases #5

"A Bíblia não manda que os pecadores procurem a igreja, mas ordena que a igreja saia em busca dos pecadores"

Billy Graham

                                        
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